E se todos os contadores brasileiros decidissem tirar férias ao mesmo tempo por um longo período de tempo, o que aconteceria?

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E se todos os contadores brasileiros decidissem tirar férias ao mesmo tempo por um longo período de tempo, o que aconteceria?

No mercado de capitais? Sem contadores, não teríamos elaboração das demonstrações contábeis, nem auditoria independente, logo, sem informações acerca do patrimônio das empresas, os investidores teriam que decidir, sobre novas aquisições ou vendas de ações, baseando-se em outros critérios, tais como análises gráficas, desaparecendo-se a possibilidade de análises fundamentalistas. Se as férias se prolongassem demais a avaliação das empresas por meio de técnicas de fluxos de caixa futuros descontados a valor presente sumiria, uma vez que não se teria informações acerca de patrimônio líquido, ativos, dividendos, custo de capital. Os investidores também não teriam noção de quão lucrativa é a empresa, afinal não se teria apuração do resultado. Sem apuração do resultado, não teriam seus dividendos (cujo cálculo passa pela contabilidade). Sem dividendos, por que investiriam?

Nos processos de aquisições de empresas? O adquirente precisa saber o valor justo de uma firma antes de realizar a oferta e este valor passa inicialmente pelo levantamento patrimonial. Muitos dos itens precificados no mercado encontram-se já registrados na contabilidade, possivelmente com algumas variações de preço em função de requisitos regulatórios. Logo, o primeiro parâmetro para avaliação são as informações contábeis (desde que bem representativas) e fatores adicionais também são considerados, tais como sinergias, expectativas de retornos, mudança na gestão por meio de quem assume o controle, dentre outros.  Quem faria o levantamento patrimonial?

No setor público? Sem contadores não teríamos repasses de informações tributárias para os entes Governamentais e nem a apuração de tais tributos. Sem os tributos, os entes não teriam sua principal fonte de arrecadação e nem saberiam de quem “cobrar”, tendo em vista que as informações individuais não estariam sendo alimentadas dentro das instituições. Logo, o único jeito seria arbitrar o valor do tributo a ser pago, mas, de todas as empresas? O Governo precisaria de muitos fiscais, mas com que dinheiro poderia pagá-los? Isto seria um círculo vicioso. Além de que, sem os contadores atuantes no âmbito do setor público, não teríamos informações acerca do patrimônio público e nenhuma comunicação econômica financeira do Estado para com os seus cidadãos. Se reclamamos da falta de transparência e da efetividade dos gastos públicos, imagine, sem os contadores?

Nas instituições?  Como iriam gerir seus negócios? Sem uma representação estruturada dos seus ativos, de suas dívidas e do valor agregado ao seu empreendimento. Como formariam preços de vendas, sem informações de custos? Como saberiam quanto precisam vender em um mês para garantir o equilíbrio econômico? Como saberiam o seu desempenho, se teriam apenas informações de faturamento recebido e despesas pagas? Como poderiam se antecipar a possíveis passivos ainda não incorridos, tais como reclames judiciais. Sem os contadores, estas informações possivelmente existiriam, mas seriam tão esparsas que seria difícil enxergá-las de modo agregado, tendo-se muitos dados e nenhuma informação.

Na justiça? O que ocorreria se um sócio se retirasse ou quando a sociedade decidisse se separar? Ou quando um dos sócios desfaz o seu matrimônio ou quando um dos proprietários morre? Nestas situações é comum o juiz nomear um perito contador. Mas, os contadores estão de férias. Como se daria a avaliação do negócio em função da participação de cada proprietário e de direitos sobre a riqueza existente?

Provavelmente devo ter esquecido de alguma área de atuação das Ciências Contábeis. Uma falha normal em função da amplidão de atuação que temos. O mais importante é compreendermos todos os dias que a contabilidade é o contador. Ela só existe porque existimos. E nesta existência temos que compreender que a sociedade precisa de nós e que nós somos um dos canais para o desenvolvimento econômico e social do país. Temos que compreender que nosso maior cliente não são as instituições, o mercado de capitais, os entes públicos, o adquirente, ou a justiça, nosso maior cliente é a própria contabilidade que precisa ser bem representada para continuar tendo razão de ser. Para isto, precisamos rever nossas bases teóricas, nossos conhecimentos legislativos, o propósito de gerarmos informações gerenciais e tributárias. Precisamos nos conscientizar o para quê e para quem estamos atuando: para atender a interesses individuais ou para atender a própria contabilidade em sua razão maior de existir.

Feliz dia da Contabilidade e dos Contadores!!!

Recife, 22 de setembro de 2015.

Escrito por Márcia Ferreira Neves Tavares. Professora de Ciências Contábeis da UFPE e sócia da Ferreira & Associados Auditores Independentes.